domingo, 30 de outubro de 2011

alucinação

na faixa
não olho
semáforo
e atravesso

atravesso
minha vida
nas mãos
de uma miragem

com um sorriso
a miragem
me recebe
do outro lado

do outro lado
só há saudade

terça-feira, 25 de outubro de 2011

morbidez

a fresta
da aurora
não se abriu
e tudo
o que sinto
é noite

sorrisos
não giram
em órbitas
insones

as gralhas
voltam
famintas
e infligem
suas ânsias

as feridas
servem-se
às comensais

não se esculpe
harmonia
em peito
endurecido

as paredes
cantarolam
pavores
e segredam
vertigens

na pele
só aspereza
da voz
que calou

não se fertiliza
mãos secas
de sóis
com lágrimas

e na língua
um viçoso
deserto
a gritar

sábado, 22 de outubro de 2011

nosso rascunho

(amedeo modigliani)


ao conhecer
tua alma
desenharei teus  olhos
nas palmas das mãos

pelos versos
não tatearei
para não te
cegar

e fecharei os olhos
das angústias
para não perder
teu horizonte

almas dadas
traçam o mesmo
rumo
em diferentes
caminhos

ali adiante
talvez
nos alcance
nosso destino

estro





quando me deito
nua
em verso
os pelos se eriçam

nem a verve
de falo pulsante
é mais extasiante

quando me entrego
nua
em apelos
o verso regozija-se

a mão
seca de sóis
fertiliza-se

e uma aurora
sem dores
é concebida

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

inocência

a insônia me faz
testemunhar
todos os crimes
da noite

já não nego
quando o dia
me acusa
de cúmplice

travesseiros
e lençóis
desprezados
são prova cabal
de meu suposto
delito

condenada
à revelia
ergo mãos
e me rendo

à dúvida

domingo, 16 de outubro de 2011

veredicto

(ophelia - john everett millais)
dedicado à luz

tua carne
procura carente
a crueldade de unhas
e lâminas?
tanta ingenuidade
merece o castigo

esconder mágoa
em dor menor?
apenas sangue
correrá livre
  
sofres
o medo de sofrer
e medra em ti
o medo da morte?

és futuro cadáver
e já tens vermes
a te devorar
não há como
abortar tua cova

o dia de tua morte
anunciou-se
em teu primeiro grito

conforma-te
e dedica o tempo
que te resta
a aperfeiçoar
teu sepulcral elogio

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

guernica

entregar-se a uma leitura dentro de noite imensa (nos olhos, no peito) é fazer-se texto e escapar da textura desmedida das alucinações, das constatações que diminuem espaço e sufocam, sufocam... e como texto, sobreviver e eternizar-se

olhei detidamente por horas a pintura "Guernica" de Pablo Picasso... angústia, pesar somam-se à admiração e embevecimento diante da obra


Picasso escreveu sobre:
"Gritos das crianças, gritos das mulheres, gritos dos pássaros, gritos das flores, gritos das árvores e das pedras, gritos dos tijolos, dos móveis, das camas, das cadeiras, dos cortinados, das panelas, dos gatos e do papel, gritos dos cheiros, que se propagam uns após outros, gritos do fumo, que pica nos ombros, gritos, que cozem na grande caldeira, e da chuva de pássaros que inundam o mar"


realmente, tudo grita na obra, até a criança morta, a flor deslocada, a espada deposta de sua força; e comovida grita minha pele
se pintura é vista ao contrário, tudo permanece gritando e as figuras continuam angustiantes; mas, surge, em meio à guerra emotiva, a figura de um anjo, de cabeça erguida e olhos silenciosos... e surge  minha redenção:

hirta flor
vela espada

mão de mãe
é asa de anjo

pássaro berra
em esquecimento

peso flutua
no peito contrito

encolho braços
afronto sentidos

os gritos
os gritos
os gritos

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

desencontro

estremeci
diante da vista
que esperneava
afora da fresta
que me espargia

os caminhos
reclamavam-se
sob a pouca luz
que já não definia
horizonte

nenhum deles
queria me levar
pois sabiam
do peso
que lhes cavaria
buracos

é sempre assim
quando acordo
: vejo meu rumo
fugindo de mim

ressurreição

a carruagem fúnebre
leva teus dias
sem rumo?

retoma as rédeas
: marca o enterro
escolhe teu caixão
a cova
deixe-a precavida

não permita
que as gralhas
que te consomem
anunciem o fim
de tua triste vida

terça-feira, 11 de outubro de 2011

expressão de hoddis

um quarto
uma cama
um cadáver

escaravelhos
banqueteiam-se
com meus restos

braços de noite
atravessam
as paredes

trazem gralhas
ansiosas
das feridas

das feridas
que minhas unhas
ressuscitaram

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

senda

ínfimo espaço
me aprisiona
mas horizonte
não alcanço

para quê
ter braços
e pernas
sem o bailado
do tempo?

antes do verso
um grão estático
em chão alheio

esparramada
em lírica
sou torrente
a passar
sem regresso

tudo invado
dessas ânsias
que não sinto
medo

abro
frestas
nas janelas
que se fecham
para mim

mas se olho
é visto
a minha espreita
eu tanjo

ao redor
de meus segredos
um labirinto
forjei

há muito
que não sei
em que senda
me perdi

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

vácuo

há dias
não durmo
não choro
não temo

amortecida
nos nervos
na carne
nas vísceras

osso
já não fornica
com cartilagem

não há língua
na meta
da linguagem

só noite
escondida
nas abas
do dia

e o sol
é farol
a desviar
a vista
do caminho

terça-feira, 4 de outubro de 2011

afonia

sem mira
atirei lança
contra minha língua
o verbo partiu
o silêncio morreu
de saudade

as mãos
amortalharam-se
em resignado ato
de punição

segunda-feira, 3 de outubro de 2011