sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

ponto negro para páginas brancas de claridade duvidosa

os versos

vejo-os carregar o peso
de tantas amarguras
e não se curvam

firmes
transportam a inquietação
para um plano
não projetado

como acontece ao lixo
que a mão doméstica se livra
sem querer saber a que fim
será destinado

os versos são caixões
(imagem a mim tão certa!)

vejo-os carregar os corpos
de tantos eus
que aniquilam suas faces
por suportarem corrosivos disfarces
a que submetem a própria identidade

os versos são heróis
não condecorados pelos atos de bravura
para os quais sequer foram treinados

a um mínimo sinal de batalha
lá são eles convocados
enviados (ao inimigo?)
e postos à linha de frente
das intenções de um sujeito
que se diz sensível!

os versos
são devorantes dos pecados
do poeta
             (o compurgado)



* tomei posse do título do texto de Jorge Pimenta

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

calmarias

1
singra-me o medo

: este corsário
  a pilhar
    minhas ondas
    indômitas


 2         
 cortinas eretas
 velam
 minha inflexão

 rogam
 ao silêncio
     que aplaine
     tanto cansaço



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sábado, 10 de dezembro de 2011

mito

sem peso
a lâmina do dia
afunda na carne
                         que a desafia

o pescoço enviúva
nos braços da guilhotina
armada para decepar
                                  evolução

sob a guarda de
                         sísifo
a cabeça rola
infinitamente
                     derrota abaixo
                     derrota acima

nenhum atenuante
testemunha
                  tanta inflição



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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

o baú

o baú

presença inquisidora
aos pés da cama

dentro dele
                  mofada
                  amarelada
minha vida
descartada

                subliminar


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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

vida

vida

: subcutâneo
                    vício
  viçoso
  a escorrer
                  caudaloso
pelo furo da lança
que o medo cravou


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domingo, 4 de dezembro de 2011

ordálio

                                                                                     "O que é este intervalo que há entre mim e mim?"
                                                                                                                                     (Bernardo Soares)

nódoas de tempo na pele das mãos...

a dona das mãos
passeia, dona de mim,
pela minha sobriedade;
diz aos outros
(e os outros aceitam a usurpadora).

a dona das mãos
me alimenta
com sobejo de resignação
e ainda me obriga a beber da soberba
que lhe compurga a alma
: poesia

pois sim... poesia
: este ordálio
que me submete
aos desígnios do dia!


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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

obsceno

tão inóspita
a afonia
entre peles!

o sangue
desaprende
o caminho para
o enrubescer
da face.

nestas horas
de casto silêncio,
valham-me
todos os céus
que toquei
com língua
ardente!

no entrelace
de lembranças,
quiçá
role algum
gozo
surreal!


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